domingo, 22 de agosto de 2010

Ciclos fundamentais

Tenho entendido que a vida se compõe de ciclos de pequenos e grandes morreres e (re)nascimentos. É necessário que algo morra para que o novo surja e ocupe seu espaço.
Confesso que sempre tive dificuldades para compreender e para viver estes ciclos, porque cada fim era por mim vivido como uma terrível morte e eu, normalmente, ficava presa aí, não conseguia vislumbrar o renascimento sem uma alta dose de sofrimento.
Talvez pelo reverso da minha dificuldade, os trabalhos sobre morte e o morrer sempre me atraíram e os pacientes em fim de jornada foram sempre os meus caros. Cheios de poesia, me falavam da vida que tiveram e das possibildades que ainda lhes restavam.
Surgia com eles o paradoxo que é enxergar a face do fim. E, para mim, ficava o anseio de acostumar-me com a ideia de que a grande morte era, senão, a forma suprema daquelas pequenas do cotidiano.
Não que eu tenha me tornado uma religiosa, mas está na Bíblia: é necessário nascer de novo para ver o mundo com olhos inaugurais.
É preciso que tudo que já foi saia de cena para dar espaço à novidade.
Porém, antes do novo chegar, vem a despedida do que foi vivido. Como no reveillon, quando se dá adeus ao Ano Velho para que o Ano Novo chegue.
Despedir-se do que foi vivido significa embalar com ternura aquilo que se tornou nosso, para fazer adormecer e para guardar com carinho. Adormecido e guardado tornar-se-á parte dos nossos tesouros internos.
Despedir-se é viver o crepúsculo, a hora em que o sol se põe, anunciando o fim do dia e a hora de recolher-se. Ao mesmo tempo, o crepúsculo é prenúncio do dia que seguirá o anoitecer.
Hoje os finais se tornam menos terríveis e eles - os finais - vão tomando outros contornos. Vão se fazendo necessários pela impossibilidade de se ser sempre o mesmo, de usar sempre as mesmas roupas, de caminhar sempre nas mesmas ruas...
Assim, o antigo se vai, o novo se aproxima. Não sem causar frio na barriga. Mas, sobretudo, embutido de expectativas e esperanças de renascimento, que revigoram os desejos e inauguram um novo dia. Afinal, após o crepúsculo, há sempre o amanhecer...