segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Revelações

Eu faço caminhos oblíquos; às vezes os mais difíceis.
Pego atalhos que prolongam o caminho.
Fico tentando encontrar as palavras certas, que nunca acho.
Tenho descoberto a diferença entre solitude e solidão. O que as distingue é um sutil estado interno de contemplação de si mesmo, realçado pelo prazer de resguardar a própria privacidade, sem que estar só signifique o terror de não ter companhia, porque sempre temos a nós mesmos.
Sinto ternura por tudo que é frágil, parafraseando Rubem Alves. E, sim!, eu sou toda ternura. Algumas vezes eu também sou frágil, de modo que a ternura nasce da identificação.
Eu corro o risco de ser piegas e não me importo com isso. Porque na paleta que uso pra combinar minhas tintas precisa haver aquelas que me inspiram.
Venho buscando ampliar meus horizontes afetivos. O que me apavora. Mas me desperta um interesse diretamente proporcional ao meu medo. Para olhar o horizonte eu costumava usar binóculos, lunetas e outros instrumentos ópticos, mas agora me esforço para os abandonar e tento ver com meus próprios olhos aquilo que surge diante de mim.
Eu me lembro sempre que o tamanho da defesa é proporcional ao tamanho da dor. E que a defesa e as construções mentais nos impedem de viver o momento vivo. E depois, não há mais como ressuscitar.


E eu sei que o que parece palavra solta guarda um sentido íntimo. É só atentar ao que ela revela.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Sobre a fartura e a fome


Quero ler todos os livros,
Abraçar todos os amigos;
Ir a todos os lugares e viajar por todos os países.
Quero provar todos os pratos,
Beber todos os vinhos;
Aproveitar todos os sabores.
Quero o maior amor do mundo
E o sentimento mais profundo.
Quero brincar de pirata e
Encontrar o maior tesouro.
Quero ouvir todas as músicas belas
Ou não belas,
Mas que toquem o coração!
Quero contemplar o pôr do sol
Com todos os sentidos vigis
Para não perder nenhum detalhe!
E ter a consciência de que ele, o sol,
Voltará amanhã para trazer boas novas!
Quero os dias ensolarados
E também os mais coloridos.
E mesmo nos de frio, quero estar alerta e atenta
Para perceber todas as nuances e texturas e
A força da temperatura na pele!
Quero todos os sorrisos sinceros
E sorrir para todos aqueles que me fazem feliz!
Quero poder observar todas as minúcias,
Sem ter que pensar que aquilo é bobo ou idiota.
Porque as coisas aparentemente bobas
são exatamente as que fazem a nossa existência
mais vívida!
São os pequenos detalhes que fazem a diferença
Nas grandes histórias!
Quero os abraços mais apertados!
Quero o beijo mais demorado!
Quero apurar os ouvidos pra ouvir o tilintar da chuva
E também o som do silêncio!
E com o som do silêncio ouvir meu próprio som.
Que é o som da alma! O som que mal nos damos o trabalho de ouvir.
O som que fala de nós. É o som verdadeiro.
Que origina todos os outros sons que escutamos.
Quero alargar as narinas numa tentativa de abarcar um infinito de olores
De trazê-los para dentro de mim,
Para que façam parte da minha essência!
E que meu perfume seja a soma de todos os outros!

Quero toda a intensidade do mundo!

domingo, 22 de agosto de 2010

Ciclos fundamentais

Tenho entendido que a vida se compõe de ciclos de pequenos e grandes morreres e (re)nascimentos. É necessário que algo morra para que o novo surja e ocupe seu espaço.
Confesso que sempre tive dificuldades para compreender e para viver estes ciclos, porque cada fim era por mim vivido como uma terrível morte e eu, normalmente, ficava presa aí, não conseguia vislumbrar o renascimento sem uma alta dose de sofrimento.
Talvez pelo reverso da minha dificuldade, os trabalhos sobre morte e o morrer sempre me atraíram e os pacientes em fim de jornada foram sempre os meus caros. Cheios de poesia, me falavam da vida que tiveram e das possibildades que ainda lhes restavam.
Surgia com eles o paradoxo que é enxergar a face do fim. E, para mim, ficava o anseio de acostumar-me com a ideia de que a grande morte era, senão, a forma suprema daquelas pequenas do cotidiano.
Não que eu tenha me tornado uma religiosa, mas está na Bíblia: é necessário nascer de novo para ver o mundo com olhos inaugurais.
É preciso que tudo que já foi saia de cena para dar espaço à novidade.
Porém, antes do novo chegar, vem a despedida do que foi vivido. Como no reveillon, quando se dá adeus ao Ano Velho para que o Ano Novo chegue.
Despedir-se do que foi vivido significa embalar com ternura aquilo que se tornou nosso, para fazer adormecer e para guardar com carinho. Adormecido e guardado tornar-se-á parte dos nossos tesouros internos.
Despedir-se é viver o crepúsculo, a hora em que o sol se põe, anunciando o fim do dia e a hora de recolher-se. Ao mesmo tempo, o crepúsculo é prenúncio do dia que seguirá o anoitecer.
Hoje os finais se tornam menos terríveis e eles - os finais - vão tomando outros contornos. Vão se fazendo necessários pela impossibilidade de se ser sempre o mesmo, de usar sempre as mesmas roupas, de caminhar sempre nas mesmas ruas...
Assim, o antigo se vai, o novo se aproxima. Não sem causar frio na barriga. Mas, sobretudo, embutido de expectativas e esperanças de renascimento, que revigoram os desejos e inauguram um novo dia. Afinal, após o crepúsculo, há sempre o amanhecer...

sexta-feira, 9 de julho de 2010

No tempo da delicadeza



Os longos últimos tempos têm sido de recolhimento, tempos de delicadeza, daí eu ter ficado sem escrever nada. Logo eu, que já não era tão assídua... Mas estava recolhida demais para que qualquer coisa se tornasse palavra publicável ou ideia a ser compartilhada. Estava comigo, continuando a minha jornada interior.
Descobri que os fins de ciclo são necessários, mas que terminar ciclos traz dor, renovação, incertezas, crenças no novo, medo de se desprender do antigo. E no paradoxo de ver o familiar indo embora para que o estranho chegue, precisamos construir algo em que se sustentar para poder seguir de alguma forma. De preferência que esta nova forma seja nova o suficiente pra preencher nossa alma e nos dar a certeza esperança de que tudo pode ser melhor que antes.
Acho que os tempos de delicadeza ainda perdurarão durante um tempo. É que na delicadeza podem ser edificadas as coisas fortes, por incrível que pareça. Mais uma contradição aqui, mas é verdade.
Delicadeza parece fragilidade. Delicadeza é abrir os olhos e ver os detalhes quase imperceptíveis, delicadeza é agir apurada e cuidadosamente, delicadeza é característica daquilo que é especial, delicadeza é se atentar para o singelo... Delicadeza é doçura, brandura, gentileza, afetividade. Delicadeza é um jeito de aparecer e uma forma de estar... consigo mesmo, com o outro, com o mundo.
Delicadeza tem sido a minha prece. Eu rezo pra que na delicadeza apareça a minha força.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Saudade crônica

Finalmente encontrei o nome do que sinto.
Meu diagnóstico é "saudade crônica".
Ainda não consta na CID-10, muito menos no DSM, porque americanos não entendem a dimensão da saudade, já que tal palavra nem consta daquele vocabulário.
Sinto saudade dos cheiros e dos sotaques, das pessoas e de suas presenças cotidianas em minha vida. Da praia no final da tarde, para descansar ou para deixar que os pensamentos fluam ao sabor das ondas. Do sol, do limón Y sal, pra lembrar minha intensa amiga Nina e das tequilas Cuervo com a Bibika. Sinto saudade do calor, do amor e mesmo da dor que sinto ao estar lá. Uma dor que não explico, mas que faz parte de mim de uma forma tão íntima que já não é mais possível descartá-la ou exclui-la do que é meu. Ela é minha e constitui o que sou, forma-me.
Descobrir o nome que isso tem tira de mim o peso da ausência.
Por definição, tudo que é crônico precisa de acompanhamento, tratamento e atenção. E também precisa de dedicação daquele que sofre da cronicidade. Sinto minha saudade todos os dias, da hora que acordo a hora de dormir. Às vezes sonho com ela.
E muitas vezes sinto que ela me move.
Sinto saudade na solidão e também enquanto estou acompanhada.

Guardo comigo a esperança de que quadros crônicos sejam resolvidos.